unidades habitacionais sOBRADINHO
Categoria: Concurso público nacional de habitação coletiva | Cliente: N/A | Endereço: Distrito Federal, Brasil | Área do projeto: N/A | Ano do projeto: 2016
Equipe: MARCOZERO Estudio e República Arquitetos | Fotos: N/A
“A moradia do homem comum há de ser o monumento símbolo do nosso tempo, assim como o túmulo, os mosteiros, os castelos e os palácios o foram em outras épocas. Daí ela ter adquirido – seja de partido horizontal, nas superquadras das unidades de vizinhança de Brasília, ou vertical, como na fracassada tentativa dos núcleos condominiais da Barra – simplesmente pelo seu tamanho, pela volumetria do conjunto e pela escala, essa feição de certo modo monumental.”
Lucio Costa
ESPAÇO URBANO LOCAL | A proposta para essas Unidades Habitacionais Coletivas se define a partir da compreensão das diretrizes urbanísticas e das normas de edificação locais, explorando suas especificidades para projetar, não apenas um ou cinco lotes fixos, mas também apontar caminhos para o importante problema habitacional brasileiro. No caso de Sobradinho, o desafio foi alcançar o maior número possível de unidades residenciais e a um só tempo construir a espacialidade interna da obra apoiada no vazio e em suas relações com o exterior. O partido adotado reitera o espaço urbano local como “extensão residencial aberta ao público”, conforme Lucio Costa preconizou para as superquadras de Brasília, com áreas não estanques, que se permeiam, relação estruturada pela adoção dos pilotis, que liberam o solo de obstáculos, tornando-o desimpedido e transponível – espaço de conciliação do domínio público e privado. Entretanto, o projeto realiza esse entrosamento, configurando um espaço de transição com o domínio privado, não apenas no térreo livre, mas sim em todas as alturas do edifício. O que se propõe não é uma lâmina encerrada em si mesma, mas um edifício composto de partes que se conectam entre si e a paisagem.
EDIFÍCIO_TIPOLOGIA E VARIAÇÃO | O edifício é constituído de térreo mais seis pavimentos, sendo possível ler quatro blocos articulados, dois em cada fachada. O andar térreo é um espaço de transição e concentra os espaços de convivência comuns, podendo abrigar módulos comerciais. O sexto e último pavimento também se configura como cobertura, que além de concentrar os reservatórios superiores, presta-se a uma área de uso condominial descoberta, importante como alternativa de lazer.
Considerando a boa largura da “projeção” que define o que pode ser construído sobre os pilotis, adotou-se a tipologia de circulação central e duas fileiras de apartamentos, cada qual voltada para uma das fachadas maiores. A construção de um vazio longitudinal no miolo da planta permite ampla ventilação cruzada em todas as unidades. O projeto se define a partir da sobreposição de dois tipos principais de edifícios existentes nas superquadras: os edifícios “vazados” – nos quais os apartamentos estão localizados entre as duas fachadas, permitindo a ventilação cruzada –, e os edifícios “não vazados” – aqueles que têm dois apartamentos localizados no mesmo trecho entre as duas fachadas, cada qual voltado para uma delas, impedindo a ventilação cruzada. Nesse sentido, o que se propõe é uma evolução ou alternativa às lâminas típicas, adotando-se a circulação central e duas linhas de unidades, porém construindo vazios que configuram o edifício vazado, obtendo assim o máximo rendimento da circulação e excelente desempenho ambiental.
SUBSOLO E NÚMERO DE UNIDADES HABITACIONAIS | O espaço da projeção de 15x60 m comportaria 12 unidades habitacionais por pavimento, de tal modo que seria possível totalizar até 72 unidades em todo edifício [1]. Todavia, dado a obrigatoriedade de uma vaga de garagem para cada unidade habitacional e não sendo possível usar o pavimento térreo como estacionamento, a quantidade de unidades do conjunto, neste caso, constrange-se ao número máximo de vagas possíveis no subsolo.
Considerando o Art. 8º da Lei Complementar nº 755, que admite o uso máximo de 155% da área de projeção (1.395 m2), respeitadas todas as suas condições como, por exemplo, as estabelecidas pelo Item IV do 3º – “não ultrapassar a metade da distância entre o limite da projeção e as projeções ou lotes vizinhos” –, a capacidade do subsolo é de 55 vagas [3], incluindo circulações, pilares, vagas especiais etc. Desse modo, o projeto se define pela construção de vazios equivalentes a 17 unidades habitacionais (72-55 = 17), isto é, o projeto ainda comporta mais unidades, caso o subsolo possa ser aumentado consoante “hipóteses especiais” previstas no1º do artigo citado. De todo modo, o conjunto se desenvolve a partir da espacialidade interior destes vazios[2].
CIRCULAÇÕES E VARANDAS | Um núcleo central de escadas e elevadores conecta todos os pavimentos desde a garagem no subsolo, sendo suficiente para proporcionar fácil acesso e atender às condições exigíveis de abandono em caso de incêndio. Cumpridos os requisitos mínimos a respeito do tema, o que se propõe é mais um grupo de escadas, secundário enquanto classificação técnica, mas não menos importante para o conjunto, aberto e livre em sua composição, espécie de promenade architecturale, que além da valorização do percurso como estratégia conceitual, ordenando tanto interna como externamente a obra, é evidenciado desde a chegada, pontuando a experiência de fruição do objeto arquitetônico com surpresas constantes.
Nos pavimentos superiores, os blocos são articulados pelas varandas de circulação horizontal e passarelas, alternadas em planta a cada andar. Essa disposição permite um afastamento maior entre as faces internas das unidades habitacionais viabilizando a ventilação das mesmas [5-6]. Varandas e circulações horizontais são o lugar da sombra, da proteção das radiações solares, ao mesmo tempo em que são espaço de vivência e encontro. Estes espaços comuns são estruturadores da dinâmica do edifício e também podem se tornar estruturadores da comunidade.
UNIDADE HABITACIONAL | Três princípios fundamentais orientam o desenho das unidades habitacionais: qualidade ambiental, privacidade e flexibilidade. Os dois primeiros são garantidos pelo rigoroso dimensionamento das unidades e abertura de todos os ambientes, possibilitando a ventilação cruzada em todos os apartamentos e assegurando a privacidade em relação às circulações de acesso. A isso se acrescenta a diversidade ambiental do sistema de circulações, que assegura variedade espacial e ambiental nas áreas de convívio e evita a constituição de espaços excessivamente funcionalizados. O conceito de planta livre, com a ausência de pilares e paredes estruturais no interior das unidades, completa o conceito de flexibilidade. A imponderabilidade e a velocidade com que se modificam a organização familiar, tendo como condicionantes sua religião, trabalho, valores simbólicos, dentre outros, justificam a hipótese das unidades como salões abertos, flexíveis[4].
Dada a obrigatoriedade dos apartamentos terem dois ou três dormitórios, optou-se por uma diversidade tipológica com 80% de 2 dormitórios (44 unidades) e 20% de 3 (11 unidades), procurando-se otimizar sua área a partir da redução dos espaços de circulação. Os dormitórios se abrem diretamente para o ambiente da sala em ambos os lados. Da mesma forma a sala é conjugada com o espaço da cozinha, ladeada pela área de serviço e pelo banheiro, dois espaços mais reservados, alinhando todos os ambientes providos de instalações hidráulicas.
Os três ambientes principais se relacionam com uma varanda em toda extensão do apartamento que amplia a área da unidade. Do lado oposto, na parte posterior, os ambientes de serviço estão relacionados com a circulação horizontal, para a qual se voltam as aberturas. Uma abertura mais generosa sobre a bancada da cozinha sugere uma janela de vizinhança.
ESTRUTURA E SISTEMA CONSTRUTIVO | A construção foi inteiramente pensada a partir da racionalização construtiva, considerando uma lógica modular que propicia a adoção de níveis diversos de pré-fabricação, de pré-moldagem no canteiro, ou de industrialização integral, desde a estrutura aos fechamentos, objetivando a redução de custos e tempo de implantação, a redução de custo de manutenção e a redução do esforço do trabalhador no canteiro de obras e na operação do edifício ao longo de sua vida útil.
A modulação estrutural, com vãos relativamente reduzidos (5,35 m para as lajes, apoiadas sobre vigas de 8,20 m), permite a utilização de peças convencionais e econômicas de mercado. Essa lógica se aplica igualmente aos sistemas de vedação, que utilizam painéis e placas leves e padronizadas. As prumadas verticais de instalação (hidráulica, elétrica, telefonia, TV a cabo, e gás) se localizam no bloco de circulação vertical e se distribuem para as unidades através das lajes da varanda de circulação. São instalações acessíveis visando facilidade na manutenção e reparos. A solução das caixas d’água no sexto pavimento é alternativa ao tradicional volume sobressalente acima do bloco servidor, deixando a construção mais simples, composta de pouco elementos. Apenas os cinco apartamentos deste andar usarão o recurso técnico de pressurização pontual de água, sendo o restante, em sua maioria absoluta (90%), abastecido comumente por gravidade. Em relação aos últimos elementos de vedação, cada unidade possui três ou quatro aberturas idênticas o que permite a produção em série dos componentes. O mesmo se aplica aos caixilhos dos serviços.Esses conceitos privilegiam a economicidade e a agilidade construtiva.
MODENATURA E EXPRESSÃO ARQUITETÔNICA | O modo particular como é tratada cada uma das partes da composição – a modenatura – promove a unidade do edifício na diversidade de partes adotada como partido de projeto. As unidades voltadas para faces predominantemente norte (noroeste em quatro lotes e nordeste em um deles) possuem uma única varanda que serve aos dormitórios e à sala utilizando uma porta balcão em alumínio em cada um destes ambientes, sem esquecer mais uma folha veneziana para escurecimento dos quartos. Essas varandas e as circulações coletivas são fechadas por gradis metálicos. Nas unidades voltadas para as faces opostas (sudeste em quatro lotes e sudoeste em um deles) adotou-se apenas um pequeno avanço da laje ao invés da varanda, objetivando reduzir a proteção solar e permitir o mesmo tratamento das aberturas e guarda-corpos.
As estruturas serão tratadas e permanecerão aparentes sempre que possível, evidenciando-se a leveza do aço nas varandas e circulações e a plasticidade e a austeridade do concreto em setores localizados da composição. Demais elementos construtivos foram pensados como elementos móveis ou removíveis, objetivando a flexibilidade do uso do espaço. A utilização de cor nas vedações voltadas para as circulações horizontais, espaços de convívio, concorre para estimular o sentimento de pertencimento e promover o bem estar da comunidade. Os painéis metálicos quebra-sóis garantem a integridade do conjunto.
SUSTENTABILIDADE E CONFORTO AMBIENTAL | Em síntese, a sombra e a ventilação são entendidas como recursos estratégicos essenciais, dispensando qualquer hipótese de soluções ativas ou mecanizadas como a climatização. Por essa razão a lâmina é “explodida”, os espaços são “vazados”, fluidos. Ademais, a orientação adotada para as unidades, associada às condições de iluminação e ventilação naturais cruzadas e às técnicas de reuso de água e de captação de energia solar, permitem que o conjunto possa apresentar altos índices de eficiência energética e de desempenho ambiental.